AgroBrasil - @gricultura Brasileira Online

+ LIDAS NA SEMANA

terça-feira, junho 08, 2004

Quem vai consumir a soja devolvida?, artigo de Renato Muniz Barretto de Carvalho

A questão agora é verificar quem vai consumir essa soja devolvida, pois ela está imprópria para consumo humano e animal. Vão queimar a soja? Vender para algum país do Terceiro Mundo?

Renato Muniz Barretto de Carvalho é geógrafo e professor universitário em Uberaba, MG. Artigo publicado no Jornal de Uberaba:

Nos anos 80 do século XX, a soja tornou-se o principal produto agrícola brasileiro de exportação. O valor das exportações e as transformações que acarretou para o setor agroindustrial contribuíram para que a soja adquirisse a importância que tem no presente.
Com o aumento da área plantada, e crescentes índices de produtividade, vieram significativos avanços na indústria de máquinas agrícolas e na indústria de alimentos.
Num processo capitalista de articulação entre a indústria e a agricultura, ocorreu o incremento à avicultura e à suinocultura, via indústria de rações – cuja base é a soja. Os reflexos na indústria de alimentos englobaram desde as esmagadoras de grãos para fabricação do óleo comestível até as indústrias de sucos de frutas e achocolatados.
Em todo o território brasileiro o impacto da cultura da soja no espaço agrário e no espaço urbano foi muito intenso. Nos anos 1950 e 1960, sua presença era insignificante. Em 1957, segundo o IBGE (1960), foram colhidas 121 mil toneladas.
Vinte anos depois, em 1980, também segundo o IBGE (1981), a colheita elevou-se a 15 milhões de toneladas. O maior aumento viria nas décadas de 80 e 90.
A safra de 2002/2003, segundo a Conab (2004), foi de 52 milhões de toneladas, o que colocou o Brasil em segundo lugar no ranking mundial de produção de soja.
Agricultores do sul do país, e de outros estados também, modificaram a paisagem principalmente da região do Cerrado. Desmataram, drenaram veredas e covoais, realizaram queimadas, revolveram o solo nas extensas chapadas do Cerrado, mas afetaram quase todos os biomas nacionais.
Algumas regiões tiveram suas características históricas e naturais muito alteradas, como foi o caso de Balsas, no Maranhão, Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, região do Alto Araguaia e Rondonópolis no Mato Grosso e, de modo geral, todo o estado do Mato Grosso, o Triângulo Mineiro, o estado de Goiás, o sul da Bahia, isso sem falar dos estados da região Sul.
Essas alterações não contribuíram, entretanto, para diminuir as disparidades sócio-econômicas entre as regiões e entre os agricultores. A questão social da terra continua a representar um grave problema político e fonte de conflitos.
Com a modernização agropecuária aumentou muito o grau de mecanização da agricultura brasileira e também a utilização de agrotóxicos, o que não aconteceu só com a soja.
A agricultura brasileira tornou-se uma das maiores consumidoras de pesticidas e venenos do mundo. O controle biológico também é usado, porém o poderio das grandes empresas do setor interfere numa utilização mais racional das práticas de controle integrado.
Fora do circuito das exposições agropecuárias e de máquinas agrícolas, e das cifras envolvendo as exportações, a soja vem ocupando, nos meses de abril, maio e junho, as manchetes dos cadernos de economia dos principais jornais do país. A questão refere-se à devolução de carregamentos de soja pela China, a maior compradora no momento.
O argumento chinês para a recusa deve-se ao fato de a soja brasileira estar contaminada por um agrotóxico. Segundo os jornais trata-se de Carboxin, um fungicida sistêmico de classe toxológica III, taxado como medianamente tóxico pela atual legislação brasileira e considerado impróprio para consumo humano e animal.
O fato, admitido pelo Ministério da Agricultura, conforme noticiado, é que a fiscalização é pouco rigorosa. Não é o que acontece em outros países.
Segundo matéria recente (Folha de SP - 4/6/04), análises feitas pelo governo americano em seus próprios carregamentos indicam que em apenas 1,7 % dos carregamentos de soja ocorre contaminação.
Alguns analistas trabalham com a idéia de guerra de preços. De acordo com o Ministério da Agricultura, mais de 200 mil toneladas de soja já foram devolvidas.
As manchetes de jornais falam em prejuízos e queda de preços. Resta saber como fica a saúde dos brasileiros se essa soja for comercializada no mercado interno.
A questão agora é verificar quem vai consumir essa soja devolvida, uma vez que ela está imprópria para consumo humano e animal. Vão queimar a soja? Vender para algum país do Terceiro Mundo?
Se existem dúvidas, elas se apóiam no que foi feito no passado, quando a população brasileira consumiu produtos rejeitados em outros países. Mais importante ainda é saber se os produtos destinados ao consumo interno passam por algum tipo de fiscalização.

Fonte: Jornal de Uberaba

Nenhum comentário:

+ LIDAS NOS ÚLTIMOS 30 DIAS

Arquivo do blog