A notícia sobre os focos de febre aftosa nos Estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná, responsável pela queda nos preços da arroba do boi e nas exportações de carne bovina levou por água as expectativas dos exportadores que almejavam melhorar a remuneração da carne bovina brasileira, a qual vinha liderando os embarques mundiais. As estimativas preliminares do setor privado apontam para perdas de US$ 1,7 bilhão em exportações de carne com os embargos impostos por 49 países aos produtos brasileiros por causa da febre aftosa.
As especulações sobre as causas do reaparecimento da febre aftosa no Brasil reacenderam as discussões sobre a eficácia dos programas de imunização. A falta de eficiência das vacinas utilizadas atualmente baseia-se no fato das mesmas apresentarem janela imunológica longa (período em que o animal vacinado permanece desprotegido) ou ainda por apresentarem problemas de biossegurança na sua produção e na estocagem. As vacinas produzidas a partir das técnicas disponíveis nos laboratórios de biotecnologia, as quais permitem alterar as moléculas (ácido dexorribonucléico ou DNA e ácido ribonucléico ou RNA) que contém todas as informações genéticas de um indivíduo, podem substituir com vantagem as vacinas tradicionais, já havendo diversos exemplos em desenvolvimento ou comerciais. Essas vacinas são conhecidas como vacinas recombinantes. Existe ainda a possibilidade de produção de vacina contra aftosa em plantas geneticamente modificadas (transgênicas). Ao se alimentar com a planta modificada os animais podem produzir anticorpos contra a aftosa que os deixarão “protegidos”, o que significa que ao entrarem em contato com o vírus não irão manifestar os sintomas da doença. Dentre as vantagens dessas vacinas pode-se citar a não necessidade de refrigeração ou armazenamento em baixas temperaturas, a estabilidade e sua aplicabilidade para uso em países subdesenvolvidos.
Além disso, o uso da biotecnologia pode fornecer subsídios para o desenvolvimento de testes laboratoriais para o diagnóstico mais preciso, barato e precoce da febre aftosa. Novos métodos de diagnósticos mais rápidos e seguros podem ser realizados utilizando a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), uma das ferramentas mais utilizadas nos laboratórios de biotecnologia para sintetizar e multiplicar in vitro regiões específicas do DNA ou RNA de qualquer organismo.
Outro problema que afeta diretamente a rentabilidade da produção de carne bovina é a infestação com carrapatos e bernes, também conhecidos como ectoparasitos, que causam reduções drásticas na produção de carne bovina. Estima-se que o Brasil deixa de produzir em torno de 26 milhões de arrobas de carne bovina por ano levando a um prejuízo próximo a 2 bilhões de reais por causa das infestações com o carrapato do boi (Boophilus microplus). Atualmente, o controle desse carrapato pode ser realizado com a utilização de produtos químicos (acaricidas), vacinas e animais de raças resistentes. O controle baseado no uso exclusivo de acaricidas enfrenta os problemas da resistência adquirida pelos carrapatos num curto espaço de tempo, ao elevado custo econômico e ao impacto ambiental negativo. Por isso, muita importância está sendo dada às novas alternativas, como o uso de vacinas recombinantes e de animais geneticamente resistentes. E, nesses casos, as ferramentas de biologia molecular auxiliam nas buscas por antígenos (matéria prima das vacinas) e por animais que apresentem genes ou conjunto de genes que estejam relacionados com a resistência aos carrapatos. As técnicas de clonagem (reprodução de indivíduos geneticamente idênticos) auxiliam na produção em escala comercial dessas vacinas.
Mas, os ganhos que podem ser alcançados com o uso da biotecnologia vão além da sanidade do rebanho. O manejo reprodutivo e, conseqüentemente, o melhoramento genético do rebanho ganharam grandes aliados a partir do surgimento da inseminação artificial na década de 50 e com o advento do congelamento do sêmen que propiciou a rápida multiplicação do número de descendentes geneticamente superiores. Na década de 70 surgiu a transferência de embriões, a qual tornou possível escolher também a melhor fêmea a ser fecundada. O avanço seguinte veio com a fecundação in vitro, no laboratório, que acelerou o aproveitamento dos muitos "óvulos" (oócitos) da fêmea doadora e colocou muito mais vacas para multiplicar descendentes. No final do século 20, a engenharia genética na área animal surpreendeu o mundo através do desenvolvimento de técnicas de clonagem de animais adultos, trazendo à tona a possibilidade de se multiplicar em laboratório animais de elevado valor genético e econômico. Através das técnicas de manipulação do DNA pode-se vislumbrar a possibilidade de produção de animais com maior velocidade de ganho de peso e capacidade de produção de carne mais saborosa e com menos gordura.
Nos últimos 30 anos através dos conceitos da genética de populações, várias metas foram alcançadas em relação às várias características de interesse econômico, como crescimento mais rápido, reprodução e carne de melhor qualidade. Apesar de todo esse ganho, a pecuária nacional ainda está em busca de melhores índices em termos de precocidade sexual e de terminação de carcaça. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa o gado de corte está pronto para o abate com menos de dois anos de idade, no Brasil a média ainda é de 3,5 anos para que os animais atinjam o peso vivo ideal para abate, entre 240 e 330 kg. Isto porque 80% do rebanho brasileiro é composto por animais zebuínos, notavelmente menos precoces que os de origem européia. As fêmeas das raças zebu, em média, entram em reprodução em torno de 24 meses de idade enquanto as de origem européia o fazem com idade em torno de 14 meses. A oportunidade de utilização de fêmeas sexualmente mais precoces tem reflexo direto na eficiência, rentabilidade e competitividade da pecuária bovina nacional. Rebanhos detentores de elevada precocidade sexual e fertilidade possuem maior disponibilidade de animais, tanto para venda como para seleção, o que permite progressos genéticos mais elevados, maior quantidade de carne produzida e, conseqüentemente, maior lucratividade. No entanto, a redução da idade ao primeiro parto, resultante do aumento da precocidade sexual das fêmeas, parece ser o maior desafio para os criadores de gado zebu brasileiro. A grande esperança para o melhoramento mais eficaz e mais rápido das raças zebuínas, em especial a Nelore, está aliada aos resultados obtidos com a genética molecular, a qual vem se tornando cada vez mais comum nos centros de pesquisas.
Apesar de toda a polêmica envolvendo as técnicas de clonagem e de transferência de genes para a produção de indivíduos transgênicos, não devemos deixar de considerar todos os ganhos que já foram alcançados e, principalmente, aqueles que ainda podem ser alcançados com uso da biotecnologia na produção animal. A Embrapa, maior empresa de pesquisa agropecuária no Brasil, é pioneira nas pesquisas com plantas transgênicas e foi a primeira a lançar através da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em 1986, uma planta modificada geneticamente. A Embrapa Gado de Corte está testando uma vacina recombinante contra o carrapato Boophilus microplus e na Embrapa Pecuária Sudeste estão sendo desenvolvidos inúmeros projetos com marcadores moleculares associados com características de interesse econômico para a bovinocultura de corte. Na região norte, a Embrapa Rondônia está montando um laboratório de biotecnologia onde serão desenvolvidos estudo com diagnóstico molecular da tristeza parasitária bovina (TBP), principal doença transmitida pelo carrapato do boi, e também sobre marcadores moleculares em raças zebuínas. Logo, o Brasil já possui recursos humanos e tecnológicos suficientes para melhorar os seus índices de produção de carne bovina, bem como resolver problemas graves de sanidade do rebanho e as ferramentas da biotecnologia podem ser grandes aliados para que esse objetivo seja alcançado o mais breve possível.
Ana Karina Dias Salman
Zootecnista
Doutora em Nutrição e Produção Animal Pesquisadora da Embrapa Rondônia
AgroBrasil - @gricultura Brasileira Online
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