Artigo de Frederico Flósculo Pinheiro Barreto para o Jornal da Ciência
A luta territorial pelo Distrito Federal ameaça vitimar sua mais
importante área física de pesquisa em ciência e tecnologia agropecuária.
Dentre todos os tipos de violência que testemunhamos em nosso País, na atualidade, o mais espantoso deve ser aquela violência nascida de atos contraditórios do Estado, que dilacera, desconstrói e sucateia o próprio Estado. No Distrito Federal, temos uma impressionante diversidade de situações assim, em que a democratização tem servido como caminho para a perda do controle, pelo Estado, da ordem territorial, da agenda das políticas públicas urbanas, para setores políticos e econômicos que lutam pela privatização dessa ordem territorial - e dessa agenda. A terceirização do próprio Estado é tão grave que atinge o que poderíamos chamar de "a inteligência do Estado", a sua inerente capacidade de priorizar o interesse público, de promover os interesses da Nação. Impressionam, por outro lado, as cabais demonstrações de desinteligência. Impressiona que o próprio patrimônio de pesquisas científicas, de Ciência e Tecnologia brasileiras entre nesse processo de devastação, de desmonte e mercandização. Isso está a acontecer em Brasília, em uma sequência de episódios de inversão das prioridades do planejamento urbano, desde o famoso Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal, tornado em Lei em 2012 - depois de ser conhecido como o PDOT de Pandora, em lembrança da Operação "Caixa de Pandora", da Polícia Federal. Essa operação levou à prisão e queda do governador José Roberto Arruda, e é o plano urbano mais corrupto da história de Brasília. Entre outras enormidades, o PDOT de Pandora "fundamenta" gigantescas operações de transferência de propriedades públicas para as mãos privadas, através de mecanismos que geram dividendos para oficiais públicos que comercializam a terra pública - como é o caso da TERRACAP (ou "Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal"), operadora das terras públicas do Distrito Federal, cujos dirigentes têm direito à participação em seus "lucros", ao alienarem terras públicas. Essa participação é legal (Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, no seu art. 7º, inciso XI e regulamentada pela Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, por intermédio de programas de metas de resultados a serem aprovados pela Diretoria da Empresa), mas torna esse órgão público notavelmente ávido por negociar as terras públicas e o direito de construir da forma mais lucrativa possível para os próprios... dirigentes públicos. Esse é um ordenamento jurídico perverso, pois as prioridades públicas são frontalmente desrespeitadas, para dar lugar às prioridades dessa forma de privatização dos "lucros imobiliários". O caso da ação que o Governo do Distrito Federal move, desde 2012, pela expulsão da Embrapa Cerrados de uma área de aproximadamente 90 hectares, em que estão acumulados investimentos em pesquisas realizadas consistentemente pelas últimas três décadas, é notável, exemplar. Essa área é um extraordinário e naturalmente privilegiado laboratório de pesquisa voltada a uma enorme variedade de práticas e experimentações, que têm contribuído decisivamente para a exploração sustentável do imenso - e degradado - bioma do cerrado brasileiro. Esse caso é mesmo exemplar, pois a ocupação dessa gleba (que representa cerca de 0,015% do território do DF) tem implicado sua PRESERVAÇÃO em face dos impressionantes e onipresentes episódios de grilagem em todo o território da Capital da República. Capital de grileiros, onde a grilagem tem se tornado... política pública! Essa ação deletéria de grileiros e governantes populistas tem devastado o bioma cerrado na área de influência de Brasília. Neste momento, para produzir um número de 100.000 novas unidades imobiliárias "populares", ainda não realizado, o atual governo tem usado o PDOT de Pandora (2012), e não hesita em expulsar exatamente os atores públicos e sociais que têm assegurado um mínimo de decência às políticas públicas de desenvolvimento científico e de ocupação racional e planejada do bioma cerrado, a partir deste caótico Distrito Federal. Esse é o dramático caso pela expulsão da Embrapa Cerrados de sua área de trabalho e pesquisa. No lugar da gleba até agora destinada à pesquisa científica mais produtiva do Distrito Federal, surgirá, como quer o governo local, um loteamento habitacional que visa fortalecer suas políticas populistas - que desconsideram, em especial, as condições ambientais mais elementares para a implantação de novas áreas urbanas no DF. Falta ciência e sobra populismo. Esse quadro de corrupção num nível de território de Unidade da Federação impressiona, mas a sociedade civil - assim como os pesquisadores e trabalhadores da EMBRAPA - passaram a construir uma corajosa resistência contra a venalidade do Governo do DF. Na verdade, essa luta necessita de mais forças a exigir de Brasília um mínimo de decoro, de responsabilidade pública. Em Audiência Pública realizada a partir de solicitação feita à Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, em 22 de abril de 2014, na Câmara dos Deputados, lideranças da ciência e tecnologia nacionais se pronunciaram de forma preliminar - mas contundente - em defesa a permanência da Embrapa Cerrados na posse dessa gleba que tem recebido, conscienciosamente, investimentos que a tornam um extraordinário patrimônio para o desenvolvimento, para a preservação e para a ocupação racional, sustentável, do bioma cerrado. Esse episódio mostra o quanto a luta pelo desenvolvimento científico e tecnológico do nosso País deve considerar novos fatores, na medida em que os recursos territoriais e ambientais nacionais se aproximam de seus limites de sustentabilidade. É evidente que as prioridades de nossos políticos podem ignorar, de forma irresponsável, os raciocínios rigorosos do desenvolvimento sustentável - e que os urbanistas devem ser desafiados a tornar mais completas as singelas "equações" de nossa atual geração de planos urbanos, notavelmente imobiliários, simplistas e de fraquíssima multidisciplinaridade. A corrida pelo futuro não admite desistentes. Frederico Flósculo Pinheiro Barreto é Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Doutor em Processos de Desenvolvimento Humano |
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domingo, maio 11, 2014
RESISTÊNCIA: Embrapa Cerrados
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